Quem acompanhou o Carnaval de São Paulo em 2024 certamente foi impactado pelo desfile da Vai-Vai, escola de samba que resolveu homenagear o Hip Hop enquanto manifestação cultural paulistana através de um samba-enredo inspirado nos Racionais MC’s.
O desfile da escola contou inclusive com a presença dos integrantes dos Racionais, com direito a Mano Brown fazendo um discurso antes da saída e várias cenas de KL Jay, Ice Blue e Edi Rock curtindo o tributo em meio a uma série de alegorias que fizeram referências a músicas da banda e trouxeram críticas sociais fortes.
Alguns desses pontos, no entanto, acabaram se tornando polêmicos — principalmente uma ala em específico, que retratou policiais da Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo como se fossem “demônios”, com chifres e um aspecto infernal. A manifestação rendeu até uma classificação “nota zero” pelo atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
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Vai-Vai fala sobre polêmica no Carnaval de São Paulo
🚨VEJA! Sindicato de policiais repudia “ala demoníaca” da Vai-Vai: “Escárnio”.
Sindicato de delegados de São Paulo afirmou que as fantasias usadas no desfile demonizaram a polícia. pic.twitter.com/pZeKwREYgd
— FUTRIKEI (@futrikeiof) February 13, 2024
Depois de circularem as críticas, a Vai-Vai usou suas redes sociais para desmentir a noção de um “ataque individualizado” e emitiu um comunicado contextualizando a decisão de representar os policiais dessa forma através de uma explicação que fala justamente sobre a temática de Sobrevivendo no Inferno, clássico álbum dos Racionais que inspirou o samba-enredo.
Na mensagem, que você pode ler na íntegra mais abaixo, a escola de samba relembrou o massacre do Carandiru e como este evento foi retrato em “Diário de um Detento”, um dos maiores clássicos do Hip Hop nacional, além de citar as conhecidas questões envolvendo a segurança pública de São Paulo nos anos 90:
Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — foram expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru.
Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais MC’s, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação.
Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica.
Após a postagem, a escola de samba recebeu apoio daqueles que entenderam a necessidade e contexto da crítica, inclusive com muitos destacando que, se a mensagem passada pela escola incomodou, é porque a missão foi cumprida com sucesso.
Faz sentido? Veja o comunicado na íntegra ao final da matéria ou clicando aqui!
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Racionais MC’s desfilaram com a Vai-Vai em São Paulo
Simplesmente Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock – os Racionais MC's – no desfile da Vai-Vai, que apresentou o samba-enredo "Capítulo 4, versículo 3 – Da rua e do povo, o hip hop: um manifesto paulistano" no Carnaval de São Paulo! 😍🔥 pic.twitter.com/LDsVvr05eh
— Tenho Mais Discos Que Amigos! 🎶 (@tmdqa) February 11, 2024
Como falamos acima, os Racionais MC’s curtiram a homenagem da Vai-Vai desfilando com a escola de samba no Carnaval 2024.
Além deles, no entanto, outros ícones do Hip Hop nacional também foram homenageados durante o desfile, incluindo Negra Li, que desfilou como Madrinha de Bateria; Nelson Triunfo e o grupo 509-E, representados nos figurinos da bateria; Tasha & Tracie, Gloria Groove e Isa Isaac Silva, que também desfilaram com a escola.
Você pode conferir a impactante letra do samba-enredo clicando aqui.
Leia o comunicado da Vai-Vai na íntegra
Em 2024, a escola de samba Vai-Vai levou para a avenida o enredo ‘Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano’.
Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop. O desfile homenageou artistas excluídos, que nunca tiveram seu talento notadamente reconhecido.
Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum ‘Sobrevivendo no Inferno’, dos Racionais MCs, em 1997. ‘Sobrevivendo no Inferno’ é considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp.
Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — foram expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru.
Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais MC’s, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação.
Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica.
Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época.
O que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile.
Existimos. Resistimos. E seguimos fazendo carnaval!