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Independentes, mas nem tanto: entenda dados do Spotify que alegam beneficiar os artistas menos populares

Novo relatório do Spotify revela impacto econômico do streaming e mostra certo otimismo para artistas independentes, mas ressalvas precisam ser feitas.

Spotify celular fraude
Crédito: Shutterstock

Um novo relatório do Spotify divulgado nos últimos dias revela dados importantes sobre a economia do streaming globalmente e entregou informações inéditas sobre o impacto financeiro da plataforma no Brasil.

O Loud&Clear, que analisa os números do Spotify, revelou que 70% da receita gerada na plataforma foi direto para o bolso de artistas e selos independentes.

Os dados dizem respeito ao ano de 2023, e mostram que os artistas brasileiros foram escutados pela primeira vez por usuários no Spotify quase 10 bilhões de vezes, levando a um crescimento de 27% dos artistas nacionais na plataforma.

No entanto, os números revelam outra questão complexa da era do streaming: as gravadoras, que antes eram dominantes, se veem em minoria no ecossistema. Na base da pirâmide continuam milhões de artistas que sequer monetizam no Spotify, já que a empresa sueca parou de repassar recursos para quem não tem pelo menos 1000 execuções.

Portanto, otimismo para quem?

Os humilhados serão exaltados – será?

Ser indie nunca foi tão mainstream. Artistas de renome internacional, como o Paramore, vêm buscando a liberdade criativa (e contratual) de uma vida fora do sistema de gravadoras.

Convencionou-se chamar de independente quem não está sob o guarda-chuvas de uma das majors de alcance global: Universal, Sony e Warner. A definição, embora seja amplamente difundida no music business, cria uma contradição: nem todos fora do guarda-chuvas das três maiores gravadoras do planeta têm o mesmo ponto de partida.

Empresas de grande porte do sertanejo (como a AgroPlay), da música gospel (a MK Music, por exemplo) e até mesmo a Som Livre (do grupo Globo) contam como independentes. Portanto, a fatia dos 70% contempla labels com grande poder de investimento – ampliando assim seus retornos.

O Spotify não especifica, em seus relatórios, quanto dessa porcentagem representa artistas de selos sem qualquer ligação com grandes grupos midiáticos.

Artistas brasileiros na crista da onda

Spotify vitrine Brasil
Crédito: Reprodução

A plataforma, no entanto, aposta no otimismo de seus números.

Segundo a própria gigante do streaming, a movimentação financeira de artistas brasileiros mais que quadruplicou desde 2018, refletindo não apenas um aumento nas audições, mas também uma monetização mais robusta das composições.

Comparado a 2022, as receitas geradas por artistas brasileiros somente no Spotify cresceram 27%, ultrapassando o crescimento de 13% de receitas da indústria da música no País (de acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, IFPI)

Não dá pra dizer que o dinheiro fica todo concentrado em poucas mãos, e os números sustentam isso, com maior distribuição de cheques de valores altos assinados por Daniel Ek.

O número de artistas brasileiros que geraram mais de US$100 mil somente no Spotify mais que triplicou desde 2018. O número de artistas brasileiros que geraram mais de US$50 mil em receitas somente no Spotify também aumentou mais que três vezes desde 2018. Mais da metade dos artistas que geraram ao menos US$10 mil no Spotify são de países onde o inglês não é a primeira língua.

A estimativa da empresa é que quem gera esses ganhos no app está faturando até quatro vezes mais – levando em conta as entradas de outras plataformas de música. No entanto, não há informações sobre como se chegou a esse número e quais outros players contam como determinantes na equação.

Dizer que a compensação é similar nos outros streamers é um exagero, considerando que o Spotify tem a maior fatia de mercado: os números mais recentes mostram que a companhia detém pelo menos 31,7% dos ouvintes em nível global.

Essa liderança se mostra no setor financeiro. No ano passado, o Spotify registrou o maior pagamento anual de um único varejista à indústria da música com mais de US$9 bilhões – esse número quase triplicou nos últimos seis anos e representa uma grande parte dos mais de US$48 bilhões que o Spotify pagou desde a sua fundação. 

Crescimento de artistas independentes é reflexo do sistema de gravadoras

Spotify Brasil música independente
Crédito: Reprodução

Uma tendência que vem crescendo em todo o mundo e é sustentada pelos dados é o protagonismo das iniciativas independentes. O fato de que menos de 30% do volume gerado pelos streams foi para as gravadoras tradicionais é mais um sinal de que a força da cena independente segue se mostrando mais relevante que nunca.

Porém, é importante notar que a balança tende a pender para o lado dos artistas sem contrato, já que são muito mais numerosos. O sistema de gravadoras, que concentrava boa parte dos lançamentos, segue em declínio. Assim, não só os independentes estão em muito maior número, como agora disputam espaço com os artistas das majors.

Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil; globalmente, os catálogos de artistas independentes e contratados por gravadoras independentes representaram cerca de metade de todas as receitas geradas no Spotify no mesmo ano.

Prova de que essa tendência já vem se delineando é que, em 2023, pela primeira vez, os catálogos dos independentes representaram cerca de 50% de toda a movimentação financeira. Totalizando quase US$4,5 bilhões, isso representa um aumento de 4 vezes desde 2017.

Artistas com poucos ouvintes ainda não recebem por sua música

O Spotify vem aplicando, desde abril, sua nova política de compensação para artistas. O modelo de pagamento exige que as faixas tenham pelo menos 1.000 streams nos 12 meses anteriores para gerar royalties.

Outros quesitos incluem a demanda que faixas de ruído, como ruído branco, sons de chuva e gravações de silêncio, tenham pelo menos dois minutos de duração para gerar royalties.

Segundo a empresa, essa política tem como objetivo combater o “streaming artificial” e aumentar o valor total destinado aos royalties. O Spotify planeja usar as dezenas de milhões de dólares geradas anualmente para aumentar os pagamentos para as demais faixas.

O novo modelo tem gerado discussões. Alguns críticos dizem que ele pode enfrentar um desafio legal e que é “discriminatório e explorador”. Outros argumentam que 1.000 streams em um período de 12 meses geram no máximo US$3 em ganhos, o que está bem abaixo do que a maioria dos distribuidores paga.

Essas questões demonstram o quanto o pagamento aos artistas na era do streaming é complexo e uma discussão urgente. Se por um lado números crescentes são boas notícias para parte do setor, por outro não é possível deixar de lado aqueles que não receberão uma fatia desse bolo bilionário.