Festival rolou mais uma vez em Salvador

Festival Radioca resiste e mostra a potência da música brasileira

Evento em Salvador teve shows de Giovani Cidreira, Josyara, Jadsa, BNegão, Bebé e muito mais

Festival Radioca 2024, em Salvador
Foto por Rafael Passos

Se tem uma coisa que o festival Radioca já provou ser craque em fazer é trazer shows especiais para Salvador, tanto de artistas mais consolidados como de nomes que ainda estão no caminho para se firmar na cena.

Em sua 8ª edição, realizada nos dias 2 e 3 de Novembro, na encantadora área aberta do Museu de Arte Moderna da Bahia, o evento escapou das obviedades mais uma vez e continuou seguindo sua missão de transformar o palco em uma vitrine da diversidade da música brasileira.

Para se manter na agenda de eventos de Salvador, o Radioca precisou mostrar toda a sua resistência e insistência, já que sua realização só foi confirmada pouco mais de dois meses antes de suas datas. Mas ele conseguiu, se manteve de pé e entregou ao público baiano dois dias incríveis de muita música boa.

O TMDQA! esteve no festival e conferiu de perto uma programação que incluiu a MPB repleta de swing e potência do show inédito que reuniu, especialmente para o festival, Giovani Cidreira, Josyara e Jadsa, a fusão de ritmos e autenticidade de BNegão, o indie rock experimental de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo e talentos de destaque como Bebé, Anne Carol e muito mais.

Acompanhando a ótima parte musical, o público ainda teve à sua disposição uma lojinha do Radioca com materiais dos artistas convidados e do próprio festival, além de opções de gastronomia.

A seguir, confira mais detalhes dos dois dias do festival Radioca.

Primeiro dia

Foto por Rafael Passos

O primeiro dia do Radioca começou acompanhado por um sol intenso, pela brisa do mar que banha a área do museu e por uma belíssima abertura da banda Fogo Pagô. O grupo de Feira de Santana apresentou seu som interessantíssimo que vai desde o baião até o samba de roda e o ijexá, para um público que estava começando a se reunir no MAM.

Além do delicioso som do pandeiro tocado por Maiara, e o triângulo de Leticia, um dos destaques do show foi o talento de Laninha na guitarra que acompanhou os vocais suaves das outras duas artistas principais. Durante uma das pausas do repertório, onde as artistas apresentaram músicas do seu primeiro disco, O Abre Caminhos, a plateia presenciou um momento emocionante quando a vocalista Maiara brincou pedindo para que tirassem sua mãe da frente do palco pois ela não parava de chorar e isso estava fazendo com que ela ficasse emocionada também. Orgulho da banda da filhota, né?

Em seguida foi a vez do grupo sergipano Cidade Dormitório, formado por Yves Deluc e Fábio Aricawa, dominar o palco do festival com uma apresentação bastante enérgica. A banda, influenciada pelo pós-punk e indie rock, apresentou um som psicodélico brasileiro intenso e alguns momentos teatrais durante sua performance. Como o baterista e vocalista Fábio pontuou ao longo do show, eles estavam muito animados por estarem tocando ali e em um evento da proporção do Radioca.

A apresentação também foi marcada por momentos em que eles apresentaram guitarras mais distorcidas, que podem não ter agradado todos que estavam ali, mas ao mesmo tempo tiveram performances mais intimistas e, no geral, entregaram um show bastante interessante. Mostrando a conexão entre as bandas nordestinas, a Cidade Dormitório ainda recebeu no palco Felipe Vaqueiro e João Denovaro, integrantes do grupo baiano Tangolo Mangos, para tocar sua faixa em parceria, “Salvador”, que integra o segundo disco de estúdio do grupo, RUÍNA ou O começo me distrai.

Foto por Rafael Passos

A cantora paulista Bebé veio na sequência com um show realmente especial. A artista que tem apenas 20 anos e entrou para o mundo da música desde a infância, atraiu os olhares de uma plateia que por mais que não conhecesse o repertório completo da artista, vibrou com sua performance. No palco, o público conferiu uma show que foi do Pop e R&B ao Trap, Funk brasileiro, Indie e batidas eletrônicas, apresentando um som mais experimental, presente nas faixas do seu disco mais recente SALVE-SE!.

Acompanhada pela DJ Lys Ventura e pelas talentosíssimas backing vocals, Hanifah e Alt Niss, a apresentação de Bebé foi marcada por momentos mais descontraídos e dançantes até partes mais reflexivas. À multidão, a cantora disse que era muito emocionante para ela estar fazendo seu primeiro show em Salvador e admitiu que a Bahia era um estado repleto de inspirações para seu trabalho.

Após o show de Bebé, o público tomou conta da frente do palco e quem estava um pouco mais distraído também se voltou para o espaço para assistir ao momento mais esperado do dia, o encontro inédito de três dos grandes representantes da cena contemporânea musical da Bahia: Giovani Cidreira, Jadsa e Josyara.

Os artistas que já haviam se apresentado no Radioca em anos anteriores com seus projetos solo, transformaram o festival na noite do sábado (2) em uma verdadeira festa depois de iniciarem seu repertório com uma versão do clássico “Back In Bahia” de Gilberto Gil. Além das canções autorais, outros artistas homenageados pelos músicos foram Belchior, Lazzo Matumbi, Timbalada e mais.

Na plateia, a presença ilustre da ministra da cultura Margareth Menezes que após o show deu um abraço apertado no trio e celebrou a apresentação deles que foi acompanhada pelo coro do público do início ao final. Em resposta à recepção calorosa do fãs, Jadsa declarou:

“A gente está muito feliz, a gente estava com saudades daqui, tá? A gente está lá longe mas tá aqui também, sempre. O pensamento aqui, o sentimento aqui. A gente está muito emocionado e muito feliz de ver que vocês estavam a fim desse show. Que bom!”.

Giovani Cidreira também fez um discurso inspirador sobre a apresentação e a importância dele e suas colegas estarem se apresentando na Bahia, já que os três artistas se mudaram no início de suas carreiras para terem seus talentos aproveitados pelas oportunidades que o eixo Rio-São Paulo tinham para oferecer a eles naquele momento:

“Eu já disse isso algumas vezes e vou dizer de novo. Esse show parece uma carta mesmo para nós do passado. Eu queria que Giozinho, Jadinha e Josynha estivessem aqui para que a gente falasse para eles: que apesar de a gente não ser filho de ninguém, e ser de Valéria, do Cabula e do fundo de Juazeiro, não desistam! Acreditem no seu sonho, no seu plano. Estamos de volta.”

Segundo dia

Foto por Rafael Passos

O segundo dia da oitava edição do Radioca começou com o multiartista soteropolitano Vírus, que atraiu os olhares do público que chegava para mais uma tarde ensolarada no Museu de Arte Moderna da Bahia enquanto apresentava um interessante show de rap e trap de uma maneira diferente.

Seus versos poderosos, proclamados ao lado de quatro backing vocals, foram acompanhados por batidas experimentais e performances expressivas, que além da música contemplaram a dança, poesia e o visual, incorporando em sua interpretação elementos da cosmologia Yorubá.

A próxima atração foi a cantora sergipana Anne Carol que mostrou para o que veio em sua primeira performance na capital baiana. A artista, que se afirma como mulher preta quilombola, talvez tenha sido uma das grandes surpresas do festival. Acompanhada por uma talentosa banda, sua voz rouca e potente, lembrando nomes como Elza Soares e Larissa Luz, e com um sotaque marcante, ecoaram músicas sobre ancestralidade e racismo.

A sonoridade foi desde ritmos mais agitados e dançantes até momentos mais intimistas e reflexivos, apresentando em suas faixas uma fusão entre afrobeat, reggae, r&b, dub, hip hop e mais. Durante sua performance, Anne apresentou uma versão de Rock impactante do clássico “Deixa A Gira Gira” dos Tincoãs e ainda contou com a participação da cantora de Aracaju, Lari Lima para apresentar sua colaboração “Tudo que Virá”, que integra seu disco de estreia, Semblantes, de 2023.

Na sequência, o palco foi tomado pelo incrível indie rock experimental da banda paulistana Shophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo e seu show super dinâmico, que prova o motivo do grupo formado em 2019 estar ocupando tantos espaços importantes, como o Primavera Sound de Barcelona e São Paulo, além do Lollapalooza Brasil no ano que vem, em tão pouco tempo de carreira.

Com exceção do show inédito de Giovani, Josyara e Jadsa no sábado e o de Bnegão – que foi a última atração do domingo – Sophia Chablau foi um dos principais grupos a atrair um público fiel no Radioca. Boa parte daqueles que soltaram a voz na plateia eram mais jovens, porém a apresentação do grupo também conseguiu chamar a atenção do público que ainda não conhecia seu som.

Durante o show, a vocalista Sophia Chablau clamou por Palestina Livre e dedicou “Qualquer canção” para os amigos do Líbano, que estão sofrendo os efeitos da guerra entre Israel e Palestina. Além disso, Felipe Vaqueiro do Tangolo Mangos novamente fez uma participação especial, desta vez contribuindo com a performance da ótima “Quem vai apagar a luz”. Outro momento de destaque do show foi a interpretação do single de sucesso de 2019 “Idas e Vindas do Amor” que levou os fãs à loucura e terminando com o astral lá em cima, a banda tocou a animada “Segredo”.

Foto por Rafael Passos

Para encerrar o festival Radioca, o icônico BNegão presenteou os fãs baianos com o show de pré-lançamento do disco solo Metamorfoses Riddims e Afins, previsto para ser lançado ainda neste mês de Novembro.

A performance começou com um instrumental de tirar o fôlego apresentado pelos músicos que acompanharam o artista carioca, incluindo Gilber T (guitarra/baixo, bases, efeitos e vocal), Pedro Selector (trompete e voz), Sandro Lustosa (percussão e voz), DJ Marcos Castro (turntables, scratchs, efeitos e voz), que introduz a música inédita “Tudo no Esquema”, que fará parte do novo álbum. Após o show, BNegão explicou ao TMDQA! que esta será a única música 100% inédita do material e a descreveu como uma Cumbia.

O músico também explicou que a ideia do álbum foi fazer uma metarmofose de músicas que já existiam e, assim como foi apresentado no show, o integrante do Planet Hemp que está na estrada há mais de 30 anos irá resgatar clássicos da música brasileira que ele acredita “que se perderam no caminho” como o samba reggae “O Sósia” do grupo dos anos 90 Moleque de Rua, e outras faixas importantes para ele como “Menina mulher da pele preta” de Jorge Ben Jor, “Eu Sou Lia Minha Ciranda Preta Cirandeira” de Lia de Itamaracá e canções de seu grupo Bnegão & Os Seletores de Frequência como as sensacionais “(Funk) Até o caroço”, “Bass do Tambô” e muito mais.

Durante sua apresentação, que contou com o vocal de apoio Paulao King, cheia de swing provocado pela fusão de ritmos que acompanham suas interpretações, o artista, que também protestou em prol da Palestina Livre, enalteceu a mistura entre o samba de terreiro com o afrobeat e próximo ao fim do show fez o público abrir uma roda, como as que são criadas ao longo do show do BaianaSystem – banda com a qual ele sempre colabora – para tocar a versão de “A Verdadeira Dança do Patinho” criada especialmente para o Navio Pirata, bloco de carnaval sem corda comandado pelo grupo de Russo Passapusso.

Mesmo tendo reduzido sua quantidade de shows, o festival Radioca conseguiu, mais uma vez, realizar uma edição de alta qualidade entregando aquilo que propõe: novas experiências e reafirmar no palco a diversidade da música brasileira contemporânea.

Ficamos felizes em ver que mesmo com os obstáculos no caminho, o evento baiano resistiu e continuou acreditando em uma curadoria que, no final, sempre acaba surpreendendo positivamente seu público.