Entrevista exclusiva com Fran Healy

Fran Healy fala ao TMDQA! sobre indiretas nas músicas do Travis e retorno ao Brasil

Conversamos com o vocalista Fran Healy durante passagem da banda pelo Brasil

Travis
Crédito: Steve Gullick

A passagem do Travis pelo Brasil foi surpreendente.

Os fãs já imaginavam o que esperar, mesmo que este fosse de fato o primeiro show da “Raze The Bar Tour”. A banda, também. Afinal, eles ouviam de longa data sobre o público brasileiro e sua fama calorosa

Porém, a primeira vinda do grupo escocês ao finado festival Planeta Terra, em 2013, não foi lá grandes coisas. O ótimo álbum Where You Stand, que divulgavam à época, pareceu não encantar o público, que só guardava lugar para a grande atração daquela noite – Lana Del Rey.

Fran Healy, Dougie Payne, Neil Primrose e Andy Dunlop voltaram para a casa achando que os brasileiros não gostavam tanto assim de suas canções.

Talvez por isso tenham pulado o país na turnê seguinte, Everything At Once – mais um ótimo disco que pouca gente ouviu. Agora, a banda decidiu tirar o atraso e vir ao país com o décimo álbum, L.A. Times, como única atração de uma noite na Audio, em São Paulo. O resultado foi uma catarse coletiva. Os fãs brasileiros comprovaram a fama que têm ao cantarem todos os versos; e os músicos até decidiram estender um pouco mais o bis, com adições surpreendentes ao repertório.

Essa conexão é o que Fran Healy mais busca de cima do palco. Ele admite que se frustra com o comportamento do público às vezes, que vai ao show apenas para filmar. Antes de se apresentar em São Paulo, o cantor falou ao TMDQA! sobre seu processo de composição, voltar a fazer turnês, cinema, mandar indiretas através da música e até questões bem íntimas. 

Confira abaixo!

TMDQA! Entrevista: Fran Healy (Travis)

TMDQA!: Oi, Fran, como vai?

Fran Healy: Estou bem.

TMDQA!: Você está numa maratona. Já está cansado de dar entrevistas hoje?

Fran: Não, não, estou bem!

TMDQA!: Então tá bom! É um prazer falar com você novamente. Eu realmente queria trocar uma ideia sobre essa turnê pela América do Sul. Você teve a chance de tocar as novas músicas para alguns públicos diferentes, mas será a primeira vez na América do Sul com essa turnê. Quero entender como você monta os setlists. Você sente que a vibração do público influencia as músicas que você escolhe?

Fran Healy: Sim, claro. Fizemos uma pequena turnê curta na Europa para dar sequência à turnê seguinte. Realmente mudou consideravelmente de uma noite para outra. Foram, eu acho, oito shows. Ficou bem claro que as novas músicas funcionaram muito bem no set, o que geralmente não é o caso. Acho que o álbum tem substância suficiente. As músicas são melódicas o suficiente para que as pessoas já as tenham absorvido, gostado delas e queiram ouvi-las ao vivo. Além disso, não tivemos a chance de fazer uma turnê de álbum por seis anos para ninguém, muito menos para a América do Sul.

Não, espere, a última foi em 2016, então oito anos. Fizemos em 2016 e então a pandemia aconteceu, não fizemos turnê em 2020 com o último álbum. Então, realmente é um território novo de novo, porque oito anos é muito tempo para não fazer uma turnê de álbum. Mas, honestamente, não sei, muito do que acontece em um show do Travis acontece entre as músicas e também acontece durante as músicas. Não sei o que dizer quando subo no palco. Eu apenas sinto o ambiente e fico com isso na minha mente.

E às vezes é bom. Às vezes é bobagem. Às vezes é engraçado. Eu conheço muitos vocalistas que têm um roteiro, sabe, e isso é legal, porque algumas pessoas têm dificuldade para falar. Mas o que eu tentei fazer durante toda a minha carreira é ser exatamente a mesma pessoa que sou agora com você. E ser exatamente a mesma pessoa que sou quando estou falando com alguém em qualquer lugar. E eu consegui fazer isso. E é legal. É uma sensação de intimidade.

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TMDQA: Sim, eu posso imaginar – será meu primeiro show do Travis. Vou te dizer: estou em um grupo com cerca de 50 outros fãs do Travis de todo o Brasil, que vão para São Paulo. E as pessoas têm me pedido para dizer a você para tocar qualquer música do Where you Stand porque os brasileiros amam esse álbum.

Fran Healy: Não vai ter nenhuma desse álbum! Sabe, é estranho. Esse não é meu disco favorito… Eu realmente sinto que Where you Stand e Everything at Once, eles foram álbuns complicados para mim. Eu não gostei nem um pouco. Acho que foi só porque eu realmente não estava focado na banda na época. E eu estava tentando ser pai [risos].

E então, qualquer hora longe do meu filho era difícil. Sim, peça desculpas a todos. Bem, estou tentando pensar… É, não vai ter nenhuma. Não há músicas daquele álbum. Não há músicas do 10 Songs. Curiosamente, há quatro músicas do Good Feeling, o primeiro álbum. Às vezes parece importante [voltar a esse disco]. Esta turnê, nós a chamamos de turnê Raze the Bar. E isso foi porque… eu simplesmente não sabia como chamá-la. Porque, novamente, não tínhamos realmente feito turnê por oito anos com um álbum. E aí você pensa: “Ah, sim, como vamos chamá-la?” E eventualmente nós apenas decidimos por Raze the Bar [nome de uma das faixas do disco novo]. E eu não acho que esse deveria ser o nome da turnê. Eu realmente não acho. [risos]

TMDQA!: Ah, é um bom nome!

Fran Healy: É… sim, é bom. É bom. Mas não reflete a turnê. A turnê deveria se chamar Full Circle. É assim que a turnê deveria se chamar porque parece que fechamos o ciclo e isso se reflete na produção. Na verdade, é refletido em tudo. É a primeira vez que viemos a algum lugar fora do Reino Unido com uma produção completa. Não sei como vai ficar.

TMDQA!: Acho que vai dar tudo certo. Você só diz “olá” e os fãs assumem o controle.

Fran Healy: Ah, isso é muito fofo.

TMDQA!: Sim, e falando em produção, eu quero perguntar: o Travis teve sua cota de produtores geniais ao longo do caminho, como Nigel Godrich e Tony Hoffer. Como vocês equilibram sua visão com o que pretendem com o disco e com o que o produtor traz?

Fran Healy: Bem, aqui está a questão. Acho que com este álbum, entregamos as músicas praticamente completas. Cada música foi completamente escrita. Se eu tocasse as demos para você, você diria: “Oh, parece meio que o álbum”. E onde o produtor entra é que eles apenas fazem soar melhor. Eles são como diretores. Eles dirão: “Não acredito em você, você pode cantar de novo?”. Ou eles dirão: “Não gosto dessa linha de guitarra porque é muito bagunçada. Você pode simplificá-la?” O que eles fazem é pegar a essência da demo e fazê-la soar maior e melhor.

E é mais ou menos isso que Nigel faz. Nigel, por exemplo, quando fizemos The Invisible Band, ele disse “por favor, não faça demos, apenas escreva em um violão e então faremos a demo no estúdio”. Porque existe uma coisa… nós chamamos de demo-ite, onde você não pode melhorar, é uma doença. Porque quando você faz a primeira demo, é meio difícil superá-la. Há uma música que não entrou neste álbum, ainda não estou muito feliz com ela. Mesmo que a demo soe uma merda, ela é tão boa… Eu não sei o que é, e nós tentamos fazer dar certo e ela acabou não entrando no disco. Mas nós conseguiremos eventualmente, é uma boa música.

TMDQA!: Talvez a ouçamos no próximo álbum. Fran, minha filha acabou de chegar. Ela tem quatro anos e tem cantarolando Gaslight pela casa!

Fran Healy: Oh, isso é adorável, diga oi!

TMDQA!: Pode deixar! Mas eu quero te perguntar justamente sobre a passagem do tempo. O Travis existe há tempo suficiente para que novos fãs descubram vocês, talvez por meio de seus pais. Você já notou fãs mais jovens indo aos seus shows? Como eles se conectam com as músicas antigas e as novas?

Fran Healy: Claro. Eles é que têm que dizer, porque os shows são meio que a mesma coisa. Tipo, se você voltar para 1997, quando começamos a tocar, você tem as mesmas pessoas que ficam no fundo da multidão e falam durante todo o show. É o que sempre acontece. 

E eu sempre gostei de parar os shows e dizer às pessoas para pararem de falar. Eu amo fazer isso. Eu só acho que é muito rude ir a um show e apenas falar alto. Não para mim, eu não dou a mínima. Mas para as pessoas que pagaram por um ingresso. Imagino que eu estava tentando ouvir a banda, eu estava esperando para ver essa banda há meses. Eu estava com meu ingresso comprado há dois meses. E eu fui ver a banda e tinha alguém parado na minha frente dizendo, “blá, blá, blá”.

E então quando eu estava no palco, eu falava tipo, “Ei, você aí, pare”. Nós tocamos em Los Angeles talvez dois anos atrás, e havia uma mulher sentada na plateia com seu telefone ligado, e ele iluminou seu rosto, e eu parei o show: “com licença, alô?”. Ninguém entendeu, aí eu falei, “você aí com o telefone iluminando seu rosto como um grande holofote”?

E então você tem essas pessoas agora, mas você também tem aquelas que estão perdidas no show… Os shows não mudam muito, sabe? Seja alguém que descobriu uma banda pela primeira vez ou que é um fã antigo, é sempre a mesma coisa. É que o público é dividido em suas seções habituais. Não há muita mudança nisso.

Já aqueles que filmam, isso é um pouco irritante. Eu não gosto muito de filmar shows porque você está incomodando as pessoas. Porque, novamente, eu vou a shows e as pessoas começam a segurar suas telas pro alto. A luz da tela é perturbadora. É para ser como um cinema no escuro. O show é no palco, não na tela de alguém. E precisamos descobrir como resolver isso. Não sei como. 

TMDQA!: Pois é. Você acaba assistindo ao show através de uma tela. A filmagem é uma merda. E você vai perder a coisa toda.

Fran Healy: Sim. E você acende sua luz, como se fosse iluminar o palco a quase 100 metros de distância.

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TMDQA!: Exato. Fran, eu vi você se descrevendo como um compositor preguiçoso.

Fran Healy: Sim!

TMDQA!: Então, você acha que escrever ficou mais fácil, conforme o tempo foi passando?

Fran Healy: Não! Quero dizer… Não, não, não! Compor músicas é muito manual. Não é nada artístico. É como cavar um buraco. Se alguém lhe der uma pá e disser, “cave um buraco”, e então você cava e cava e cava e cava, talvez, até encontrar algo. Pode ser um pouco de ouro ou um pequeno diamante, ou pode não ser nada. Então você tem que sair do buraco. Você já viu o filme Sangue Negro?

TMDQA!: Sim!

Fran Healy: Certo. O começo desse filme é uma metáfora perfeita para composição de músicas. Eu me sinto como Daniel Plainview naquele buraco, como se estivesse batendo e então você dinamita e então quebra sua perna. Você faz de tudo para obter esse ouro, para tirá-lo do chão. Você faz qualquer coisa para tirar essa música da sua alma ou do éter ou de onde quer que ela venha. E não é artístico. É apenas e puramente trabalho manual.

Eu diria que, se alguma arte surge, seria possivelmente quando você está no estúdio e está se apresentando e está tendo ideias. Mas até aquele ponto, cerca de 95% da composição é trabalho manual. Então, quando eu digo que sou um compositor preguiçoso, não vou sentar para ficar esperando especialmente pela letra perfeita ou algo assim. Eu não ficaria esperando, acho que as letras têm que vir rápido.

Nós cantávamos antes de falarmos, do ponto de vista animal. Tipo, 150.000 anos atrás, no deserto, no meio da África, nós uivamos fazendo esses ruídos tonais um para o outro, que expressavam sua tristeza, expressavam sua felicidade, excitação. Nós dizíamos, “ah!”, nós ficávamos animados. E conforme os anos foram passando, e nosso curso vocal se tornou mais desenvolvido e controlado, nós criamos a linguagem. Mas realmente, o tom da música é uma coisa animal, então não precisa de linguagem para te comover. Uma música pode ser apenas, não ter letra e te fazer querer chorar. Você fica tipo, “por quê? O que tem aqui [de tão emocionante]?”

Mas nós estamos gemendo. [Cantar] É como um gemido coordenado. Tipo, se é uma música triste e emocional, você ainda tem que encaixar a letra em cima disso também. E a letra tem que encaixar sobre ela, como poeira ou enfeites em uma lareira. Os enfeites são o tom e a poeira devem ser a letra, quase invisível, em cima do tom. Talvez a arte entre nisso aí. Eu não sei.

TMDQA!: Adoro ouvir você descrevendo assim porque realmente admiro o que vocês fazem, compor. Só posso comparar com o que eu faço, já que também escrevo. Mas pelo menos tenho pessoas como você que me fornecem as palavras.

Fran Healy: Sim. Interessante é que o que você diz é verdade. Então, há um ótimo filme que você deveria assistir, porque… talvez a arte seja a edição. A arte está no que você não usa. E o que sobra é a “coisa”. É como peneirar, assim como Daniel Plainview, você esmaga a pedra e então fica com o ouro, então a edição é tão essencial e tão importante. Minha companheira é editora, então fico muito, muito, muito impressionado com os editores.

Se você quiser ver um exemplo brilhante disso, é um filme, é um documentário de Wim Wenders. Pegamos nosso nome de um de seus filmes, esse personagem Travis [do filme Paris, Texas]. Mas este filme se chama O Sal da Terra.

TMDQA!: É sobre Sebastião Salgado?

Fran Healy: Sim.

TMDQA!: Sim, eu conheço esse.

Fran Healy: Você viu?

TMDQA!: Sim, Sebastião é um fotógrafo brasileiro, ele é meio que importante por aqui.

Fran Healy: Certo, então o que eu achei incrível sobre esse documentário é que Sebastião Salgado é um fotógrafo brilhante, mas sem sua esposa, ele não seria nada. Sem sua editora, ele não seria nada. E esse filme começa nele, mas então se torna sobre ela, se torna tudo sobre ela. Você acaba percebendo, “oh meu Deus, ela é a estrela”. Ele é apenas um fotógrafo que aponta sua câmera para as coisas e tira fotos. Ela escolhe suas fotos, ela encontra um pedaço de terra árido que costumava ser uma floresta tropical, e então sozinha o transforma de volta em uma floresta tropical. Quer dizer, ela é uma fazedora de milagres. E é isso que eu quero dizer sobre a mágica da edição. Então, há muito mais do que apenas cavar, mas eu realmente não gosto de compor, eu odeio isso. É tão chato, é tão tedioso.

TMDQA!: Talvez como eu, você ame ter escrito, não o processo da escrita. Pode ser tão difícil às vezes!

Fran Healy: Sim, é tedioso, é tão manual, é como quebrar uma pedra no sol. Mas então, quando você encontra a coisa, vale a pena. Você tem que ser muito paciente, eu acho que todas as pessoas que eu conheço que são bons compositores são extremamente pacientes em fazer exatamente isso. Talvez eles não são pacientes quando estão no telefone com a empresa de energia elétrica ou a empresa de TV a cabo, mas eles são muito, muito pacientes com apenas isso.

TMDQA!Q: Sim, e é por isso que os amamos. Olha, Fran, eu sei que tenho que deixar você ir, posso perguntar mais uma coisa?

Fran Healy: Sim.

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TMDQA!: Então, estamos falando sobre composição e quando você ouve uma música como I hope you spontaneously combust ou Gaslight, pode soar como se você estivesse mandando indireta para alguém.

Fran Healy: Sim, eu estou! [risos]

TMDQA!: Eu sei! Mas às vezes os fãs interpretam as músicas de maneiras totalmente diferentes. Essa é uma das belezas disso. Então, há uma música em particular em que as pessoas a levaram para uma direção completamente diferente que simplesmente te surpreendeu?

Fran Healy: [risos] Toda vez que alguém vem e me conta sobre uma música e o que ela significa para eles, fazer música é sobre isso. Elas são sobre o ouvinte e sobre o escritor. Mas lembre-se, o escritor é o primeiro ouvinte. Quando ouço pela primeira vez e então me emociono de alguma forma, é a isso que estou reagindo. É por isso que continuo escrevendo. Eu fico tipo, “ah, isso foi bom”. E então você tenta rolar um pouco mais para poder terminar.

Mas o que você não quer é perder a coisa que fez você dizer “oh”, na primeira vez. Gaslight é ótima. É um bom exemplo que você traz, porque é como se fosse direcionado a uma pessoa que provavelmente sabe quem é e ninguém mais sabe além dela. E o que o torna ótimo é que essa música estava em todas as rádios e todo mundo ouviu. E o tipo de pessoa que essa pessoa é, para ela pensar que todo mundo está rindo dela, ela fica pra morrer. É lindo. É tipo o melhor resultado possível [risos].

Eu sinto que há um elemento do Travis, ou de mim… Eu sou atrevido, sabe, eu posso ser realmente atrevido, mas de um jeito legal. Eu venho de um passado bem abusivo, tipo, de ter sido abusado. Quando você vem disso, você aprende a se vingar de um jeito furtivo, meio engraçado. Humor é um lugar que eu vou muito, ser atrevido é uma boa forma para se vingar. Eu perdi muito disso, durante certos momentos da nossa carreira, mas eu definitivamente recuperei, e essas duas músicas são bons exemplos disso.

TMDQA!: Sim, eu não estou reclamando. Eu amo isso.

Fran Healy: Sim. Mas é isso que eu faço no show. Porque na minha própria personalidade, eu sou assim. Sei ser meio ácido ou corrosivo. De um modo meio “foda-se”, sabe? Eu sou uma pessoa do tipo “foda-se”, “não, não me diga o que fazer ou dizer”, assim. Mas isso às vezes não aparece na música, mas às vezes aparece. Selfish Jean é assim, I hope you spontaneously combust é assim, Good Feeling é assim.

TMDQA!: E eu adoro isso. Tudo bem, Fran, sei que precisa ir. Obrigada e te vejo no show.

Fran Healy: Obrigada, Nath. Tchau tchau!